TECNOLOGIA E CRIANÇAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS

domingo, 14 de junho de 2015

Entrevista com Elaine Conte

Elaine Conte é professora da Unilasalle e pesquisadora, nos ajudou com essa entrevista..

Questões da entrevista:
1 - Você percebe que os alunos que utilizam as tecnologias digitais tem maior facilidade de aprendizado? Por quê?
De modo geral, as crianças são receptivas às variadas tecnologias, no entanto, isso não repercute diretamente no desenvolvimento cognitivo em termos de lógica compreensiva de textos ou no aprendizado de problemas matemáticos ou mesmo no desenvolvimento dousos,sentidos e significados das palavras, por exemplo. As tecnologias trazem um potencial humano (inclusão, tecnologia social e reconhecimento) e um pensamento aniquilador (câmaras de gás nos campos de extermínio como coroamento da seleção racial, guerras, etc.), que são dimensões extremamente inquietantes e ambíguas. Mas vejo também que a pluralidade formativa estimulada pelo acesso à internet requer do professor desafios permanentes não apenas para demarcar a inclinação teórica em termos de transmissão linguística de conhecimentos, mas, sobretudo, para reunir diferentes papéis e jogos hermenêuticos de relações em um sentido humanista (de busca recíproca e coletiva), em abertura ao permanente diálogo na trama de interações em espaços escolares formais e informais. Nesse contexto, cabe lembrar aspalavras de Mary Pat Radabaugh (1993) que muito bem expressam essas relações com as tecnologias: “Para as pessoas sem deficiência a tecnologia torna as coisas mais fáceis. Para as pessoas com deficiência, a tecnologia torna as coisas possíveis”. A questão da inclusão da deficiência na escola por meio das tecnologias assistivas (TA) é algo complexo, que diz respeito aos direitos humanos, à justiça social e às diferenças no desenvolvimento das pessoas. A inclusão da deficiência por meio da TA é uma forma de participar de experiências de aprendizagem sociais, que vão além da adaptação aos recursos técnicos e ao modelo tecnológicouma vez que repercute em uma “tecnologia da inteligência” (Pierre Lévy) e na “luta por reconhecimento” (Axel Honneth). Ressignificando a teoria de Honnethpodemos dizer que respeito às pessoas com deficiência passa pelo reconhecimento do outro por meio de três relações, a saber: O primeiro padrão de reconhecimento está na percepção do outro pelos laços de amor e afeto no cotidiano escolar, pois através da presença do outro nos diferenciamos e singularizamos. O que significa olhar a sala de aula como espaço de desenvolvimento da autoestima, autoconfiançapersonalidade e resistência à discriminação e marginalização do que é estranho. A segunda categoria é o do direito à igualdade por meio de políticas que criam uma cultura de respeito, dignidade, participação e acesso a recursos de forma igualitária para todos. A ação de reconhecimento mútuo pelas políticas de educação inclusiva são também geradoras de autorrespeito com a legislação. A terceira relação é a dsolidariedade que passa pela contribuição de cada sujeito no compartilhamento de valores éticos e relações comunitárias produzindo autorrealizaçãoO ato de reconhecer e ser reconhecido são práticas eminentementehumanas de interação social com o outropor isso é pedagógica, social e política e é nossa condição demanifestação humana (em que nos estranhamos e identificamos) para criar e reconstruir conhecimentos. Ao inserirmos a compaixão, a empatia e a dignidade humana como princípios dos processos de aprendizagem (dada apressuposição de que as dificuldades para resolver um problema entre os sujeitos são desiguais, assim como não há inclusão sem exclusão ou determinações legais sem problemas), nos damos conta de que a exclusão dos outros, significa a redução dapreender de nós mesmos.

2 - Os professores estão preparados para trabalhar com a educação inclusiva e com as tecnologias digitais?
Em termos pragmáticos, no Brasil temos atualmente apenas dois cursos de graduação com formação inicial na área de Educação Especial, que são a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). A preocupação e o planejamento com respeito à capacitação de recursos humanos para trabalhar com as deficiências com foco nas práticas e experiências de inclusão, pela via da TA, inicia por volta de 2000, pelo Ministério da Educação (Mansini, 2011). Há ainda uma falta de conhecimentos teórico-práticos apreendidos na formação inicial e continuadasobretudono que se refere ao papel desempenhado pelos professores no trabalho com as deficiências múltiplas. Juntamente com a falta de pesquisas que debatem os problemas presentes nessas ações pedagógicas, que vão desde as dificuldades de infraestrutura, materiais e recursos tecnológicos adequados para atender às necessidades educacionais especiais. Segundo Nunes et al (2011, p. 6), para auxiliar no desenvolvimento da comunicação o uso das tecnologias assistivas “envolve o uso de gestos manuais, expressões faciais e corporais, símbolos gráficos (bidimensionais como fotografias, gravuras, desenhos e a linguagem alfabética e, tridimensionais como objetos reais e miniaturas), voz digitalizada ou sintetizadaAlém disso, surgem os problemas relacionados ao transporte adaptado para se chegar à escola, a falta de um trabalho integrado com os profissionais da saúde, uma vez que muitos alunos têm convulsões e apneias, assim como a ausência da participação coletiva na elaboração do trabalho entre oprofessor da sala de recursos multifuncionais e da classe comum, no sentido de promover atividades pedagógicascolaborativas para o desenvolvimento desses alunos. É necessário que os educadores tenham acesso aos diversosconhecimentos para adquirir uma formação holística sobre os saberes e os que-fazeres, que reconheçam a complexidade e as possibilidades do ser humano se recuperar e progredir com a apropriação cultural.

3 - Qual a sua posição diante do avanço das tecnologias digitais para crianças com necessidades especiais?
A minha percepção sobre as tecnologias para o trabalho com as crianças com necessidades educacionais especiais estão em sincronia com as Diretrizes Operacionais do AEE, que definem como uma das atribuições do professor do AEE “VII – ensinar e usar a tecnologia assistiva de forma a ampliar habilidades funcionais dos alunos, promovendo autonomia e participação” (BRASIL, 2009Art. 13). No entanto, cabe destacar que as salas multifuncionais são precárias em relação ao que é definido nas diretrizes federais e sua implementação local geralmente não atende às necessidades e demandas mínimas. Os desafios ao incluir as deficiências também retratam que os professores são negligenciadopela sobrecarga de trabalho e pelo elevado número de alunos para o atendimento.


4 - Quais as diferenças no aprendizado que se percebe no desenvolvimento dos alunos?
Com as tecnologias assistivas surgem alternativas àinserção das deficiências, sendo estas, muitas vezes,compensadas pela aquisição de recursos da área de comunicação alternativa e ampliada, favorecendo assimpráticas pedagógicas mais inclusivas junto às necessidades dos alunos. As contribuições dos recursos das tecnologias assistivas ampliam a comunicação no processo de ensino e aprendizagem com um maior envolvimento educacional e social dos educandos com vistas à superação das dificuldades específicas e limitações na linguagem (os sujeitos podem falar), mas também raciocinar e interagir.De acordo com Pletsch (2014, p. 26), “em alguns casos, a apropriação do significado de palavras como o ”sim” e do “não” é fundamental para que alunos com essas deficiências possam fazer escolhas básicas na vida como, por exemplo, o que desejam comer e vestir. Esses conhecimentos, em grande medida, não são considerados como formais (aqueles ensinados e aprendidos na escola), mas argumentamos que, para esses alunos, representam um primeiro passo para a aprendizagem e a apropriação dos conhecimentos e bens culturais historicamente produzidos.

5 - Faça um breve relato de sua experiência com o uso de tecnologias digitais com crianças com necessidades especiais em sala de aula.
Os resultados apresentados nas pesquisas com o uso da TA com deficiências múltiplas só aparecem recentemente (2013) com a compreensão de professoras que atuavam em salas de recursos multifuncionais, as quais integram o atendimento educacional especializado (AEE). Discutir como o suporte pedagógico promovido pela TA assegura experiências formativas de aprendizagem é um grande desafio, pois implica repensar as propostas pedagógicas no processo de ensino e aprendizagem para o desenvolvimento dos alunos com deficiências, bem como pressupõe uma atividade que envolve sensibilidade e afetividade. A questão estratégiada TA na escola cria condições de possibilidade e estímulos para o estabelecimento de interaçõespossibilitando aos sujeitos com deficiências se desenvolverem no contato com o outro na sensibilização social. Em contrapartida, tais estudos precisam considerartambém o descompasso dos avanços tecnológicos frente àsadversidades sociais nas quais vivemos (negligenciado a inserção da deficiência), para oferecer uma rede de apoios com diferentes profissionais, resistindo às deficiências de recursos que o sistema público oferece (precariamente ou não oferece), criando assim uma cultura mais inclusivapara o desenvolvimento integrado entre as pessoas com ou sem deficiências. Afinal de contas, a deficiência e a diversidade fazem parte da essência do ser humanoenquanto vir a ser (inacabado), que merecem sercompreendidas na experiência da vida e dos conflitos sociais.




Referências: 

BRASIL. Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial. Resolução 4. Brasília, 2009.
HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Trad. Luiz Repa. São Paulo: Ed. 34, 2003.
LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. 10. ed.Tradução de Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2001.
MASINI, Elcie F. Salzano. Pesquisas sobre surdocegueirae deficiências sensoriais múltiplas. In: Revista Construção Psicopedagógica, vol. 19, n. 18, São Paulo, 2011, p. 64-72.
NUNES, Leila Regina d’Oliveira de Paula; QUITÉRIO, Patrícia; WALTER, Cátia; SCHIRMER, Carolina; BRAUN, Patrícia. Comunicar é preciso: em busca das melhores práticas na educação do aluno com deficiência. São Paulo: Editora ABPEE, 2011.
PLETSCH, Márcia Denise. A escolarização de alunos com múltiplas deficiências em uma escola pública da baixada fluminense: formação de professores e processos de ensino e aprendizagem. Relatório de pesquisa, 2014.

Entrevista respondida pela profa. Elaine Conte.

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